sábado, 30 de julho de 2011

Novamente, Alex


“O sujeito de romance ou livro está para se determinar...”

As escadarias deste bairro da parte central da cidade, a conheço tanto e muitas vezes aqui estive. Vagueei pelas ruas circunvizinhas, adentrei bares, comprei frutas com o vendedor em sua barraquinha improvisada e segurava a pasta do trabalho com força, por entre a mão, certa mulher olhou-me de relance, rapidamente, pelo fato de estar sem carro, percebeu que tinha o hábito de caminhada, de fato, ela, transpareceu ser compreensível.
Na calçada da avenida transversal topei com Davi, perguntou-me se tinha tempo para diálogo, prometi procurar-lhe ou telefonar. Eu Alex: estou com as horas contadas para chegar à secretaria de comunicação e cultura desta cidade. Vagueio outra vez pelas ruas e vejo que é chegada a hora, subo os degraus, bato com o nó dos dedos na porta e a secretária pede que aguarde. Ela avisa-me que já posso entrar. O secretário é bastante pertinente. Conversamos o cronograma anual de cultura. Ele afirma ser fácil a decisão: – “o veto quase só depende de mim.” Bebo refrigerante da pequena geladeira no fundo da sala e saio para a sacada. Davi atende outro “visitante”. Saio pela porta lateral e nada mais penso, senão nesta função, agente administrativo. Estou legal. A valise por entre as mãos, os dedos firmes, o seu peso bastante frágil o sinto. Outra vez nas calçadas por entre toda a gente pública. Sinto-me só. Olho quanto tenho de dinheiro vivo na carteira de pelica. Verifico meu cartão de crédito. O dinheiro que preciso ter. E percebo que a propaganda de cinema neste prédio central impressiona pelo fato de ser bombástica. O anúncio em letras garrafais.
Alex e Daniel de longa data eram conhecidos. Pessoas urbanas e por vezes se esbarravam em clubes, locais que trabalharam próximos ou em conjunto, instituições que vez por outra circulavam e para meio de vida: existência cúmplice, o seu trato de um para com outro quase sempre de forma amistosa. Frequentemente cordiais.
Quero ser Alex, alguém a determinar e por ser determinado. Sim, sou Alex, aquele sei ser Davi, ela, Laura, a definir, teimam em entrar, adentrar meu espaço. E também muitos outros a conhecer pelas ruas da cidade e que a distância própria inquieta.
Desço a avenida com muitas oportunidades de ser quem almejo – se fosse atrevido. É tardinha e o sol esmaece no horizonte, barulho de carros que arrancam próximos de mim e de meu demônio interior, sofrível que carrego encalacrado. A calçada não é minha e a valise pesa em minhas mãos. Não quero exatamente saber – desta hora torpe. Em um balcão de esquina incerta, tenho um copo defronte ao peito, refrigerante gelado – olho para o lado em busca de gente. Suavemente sorvo e degusto. A mulher de lábios pintados, de idade madura e toque nos cabelos rápidos, sem se dignar à intimidade – a idealizo. Deixo o copo sobre o balcão semicheio. Repenso Laura. Ela não me convém – retraio os lábios. O segredo meu: um dia lhe sussurrei. Muitas vezes repetidamente. Ser decepcionado com nenhuma emoção e a surpresa da vida não ser sensacional ou exuberante.
Quanto a Laura quero-a apartada. Em uma distância amigável. Ela invadiu meu eu. Personagem protagonista – teceu a teia onde aprisionou o inseto que me perturba. A individualidade nossa egoísta. O cidadão anônimo na região inóspita – a parte que nos cabe. Desacerto sem conflito e nossa disparidade. O fato de sermos estranhos. O convívio no passado que deixa marcas.
Em meu íntimo Laura é pálida e branca, menina de neve e inóspita – para meu esquecimento obrigatório. A cada sua altivez nós nos medimos. Ela é Laura.
Deus meu!
Não recordo as escadarias do prédio e a travessa, o elevador e o porteiro, o girar das chaves e a noite que vislumbro. O recinto silencioso e calmo – a ilha tranqüila de meu eu e ser que busco pacificar. Meus dedos tocam os móveis, a mesa niquelada, a madeira das portas, o vertical e as antenas, muitos prédios. Sopro o amargor. Estou comigo dentro e dói.
Pareço ouvir música não sei ao certo donde, toca e martela em minha subjetividade agonizante, em estertor meu interior devassado. A propriedade deste universo particular – cansa e abate. Amanhã acordarei feliz. Enérgico. Repete-se este fato pessoal. Findo o dia que almejei. Deliberadamente lutarei e abaterei os alvos.
Tenho mãos nervosas, tateio cada móvel e janela onde vejo a paisagem urbana e construída – os toco e quase me invadem – quase sempre sinto. Puxo as cortinas e espio, de relance, o vertical e a queda para esta obtusidade artificial. Recordo Laura, Davi, o peso de existir e eu Alex. Minha saída para a evasão lunar do que projetei ou a leveza de saber a saída: o recomeço do sujeito - Alex. Então novamente eu - esta surpresa de me sentir vivo. Espécie citadina.
Geralmente não comento. Evito dizer. Mas a importância dos sonhos em meu dia a dia é imensa. Quando me vem sonho muito fora de série, sobre ele, interpreto e busco significação. Minha sobrinha de 22 anos de idade, residente em Florianópolis, certa noite, em meus pesadelos ela recebia uma ligação. O número de quem discava: nítido e claro no sonho. Também o nome. Mas era muito estranho, devido às imagens que acompanhavam este sonho. Acordei sobressaltado – eu Alex. Segundos depois uma ligação no quarto de minha sobrinha. Eu estava de férias em sua casa. Era madrugada. A pessoa dialogou – voz de homem. Pela minha escuta devem ter durado uns dois minutos a ligação telefônica em seu celular. Não perguntei quem ligava. Ouvi toda a conversa dentro da noite e madrugada. Apenas não sei como interpretar. Não disse nada a ela. Mas estou em paz. De todo modo, por vezes, este fato incólume – incomoda-me. E então transparece o não controle da vida, o seu lado absurdo, irracional. E o pouco a fazer pelo outro, situações onde não sabemos claramente, como agir. Devido à incerteza e a surpresa da situação. Realmente nova para Alex. E para todos onde adentrar a intimidade – fere. Este conto de luta pela permanência, a nossa segurança, compra-se como destino: as amarras eu as libero.

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